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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

RESGATAR PORTUGAL

O grande mal dos nossos políticos tradicionais é que, em regra, usam essa atividade em benefício pessoal. A maioria deles serve-se dela e dos recursos que o país põe ao seu dispor, não para a realização de fins coletivos mas em benefício próprio, da família e das suas clientelas partidárias. Servem-se do país e não servem o país. Para isso criaram uma insuportável promiscuidade entre a política e os negócios privados. As pessoas mais sérias e mais honestas da sociedade portuguesa fugiram da política ou nem sequer se aproximam dela. Esta transformou-se numa reserva quase exclusiva dessa nomenclatura de medíocres e de oportunistas que está a destruir Portugal, a empobrecer o país e os portugueses (enquanto eles se governam e enriquecem) e a obrigar os nossos jovens a procurar no estrangeiro aquilo que a sua pátria lhes devia proporcionar. Essa nomenclatura está, enfim, a destruir o nosso futuro coletivo.

Uma das consequências mais nefastas dessa cultura oportunista e predatória foi a castração moral de um sector da juventude portuguesa, precisamente aquele que desde praticamente a adolescência é amestrado nas organizações juvenis partidárias para reproduzir os estereótipos e os clichés político-culturais que fizeram os seus mestres enriquecerem na política. É deprimente ver jovens, que deveriam estar motivados pela grandeza de ideais altruístas ou mobilizados pela generosidade de causas coletivas, a apunhalarem-se entre si nas juventudes partidárias, a traficarem interesses mesquinhos, a propalarem obscenas mentiras só porque as julgam úteis aos seus desígnios egotistas, a fazerem, em corruptela, aquilo que observam nos seus mentores decadentes. E, sobretudo, é degradante vê-los a papaguear, num mimetismo patético, os discursos de mentira e de cinismo dos seus mestres políticos. Estes jovens já estão velhos ou então envelhecem sem nunca chegarem a ser adultos. As juventudes partidárias transformaram-se, sobretudo nos chamados partidos da governação, em escolas de vícios onde se aprende tudo o que tem conduzido à degenerescência moral da política portuguesa e à degradação ética das instituições republicanas.

Uma das maiores referências da social-democracia europeia, Willy Brandt, disse uma vez que para se ser um bom social-democrata aos 40 anos de idade tinha de ser um bom esquerdista aos 20 anos. Só que estes nossos jovens já são ótimos sociais-democratas aos 20 anos (e alguns até já começam a sê-lo logo aos 14 e 15 anos) de idade. E, quando atingirem os 40 anos serão, então, aquilo que verdadeiramente ambiciona(ra)m, aquilo que efetivamente procura(ra)m com as suas vidas políticas: velhos decadentes, mas administradores de um qualquer BPN, consultores de um qualquer BES ou administradores de empresas que favoreceram nos cargos públicos a que se foram alcandorando ao longos dos seus percursos de carreirismo político. Isso se, entretanto, não estiverem a contas com a justiça ou, mesmo, não tiverem sido presos.

Nessa altura, todos eles terão, pelo menos, duas características em comum nos respetivos trajetos políticos: a de nunca terem trabalhado ou realizado nada de útil à sociedade e uma experiência enorme no tráfico de favores ou de interesses em benefício próprio. Na verdade, a maioria deles começa, ainda estudantes, por ser assessores deste ou daquele dirigente político e por aí se mantêm até, inopinadamente, integrar uma lista de candidatos e aparecer no parlamento (português ou europeu), como prémio não dos seus méritos mas do seu servilismo acéfalo. Muitas vezes eles prestam aos dirigentes dos seus partidos o mesmo tipo de serviço que algumas claques de futebol prestam aos dirigentes de certos clubes: tropa de choque para programas políticos contra adversários ou contra quem ouse combater ou denunciar o pântano em que alegremente chapinham. Se os seus mentores transformaram o país num local indecente e irrespirável e eles garantem que isso continuará no futuro. Vejamos apenas alguns exemplos que nunca é demais recordar.

Portugal tem sido governado nos últimos 30 a 35 anos, sucessiva e alternadamente, pelo PS e pelo PSD que conduziram o país à situação de pedinte em que se encontra. O CDS, de vez quando, dá uma ajuda, atirando-se, também, ao pote com um frenesim redobrado. Praticamente todas as semanas o país pede dinheiro emprestado - a maior parte das vezes não para fazer face às despesas com a realização das suas finalidades; não já, sequer, para amortizar a sua imensa dívida, mas apenas para pagar os juros dessa dívida. O eufemismo a que se recorre para divulgar e para noticiar essa necessidade é o de que "Portugal coloca dívida no mercado". As nossas elites políticas não souberam, ao longo das últimas décadas, senão gastar recursos públicos porque é assim - empobrecendo o estado e os portugueses - que se enriquecem a si próprias ou que beneficiam economicamente as suas gigantescas clientelas.

O regime democrático instaurado com o 25 de Abril herdou da ditadura um estado com um enorme património imobiliário (além das tais centenas de toneladas de ouro) que tem sido criminosamente malbaratado, obviamente, sempre com chorudas comissões, luvas ou subornos para quem, em nome do estado, tem outorgado os atos jurídicos que concretizam essa delapidação. A sensação de impunidade é tão grande que alguns edifícios públicos são vendidos e revendidos no mesmo dia - com pornográficos lucros para os intermediários privados. Nenhuma obra pública é paga, a final, pelo preço por que foi adjudicada. O preço pago é sempre duas, três, cinco, dez vezes superior ao valor da adjudicação, porque é aí - nesse roubo ao estado e ao povo português - que todos esses bufarinheiros ganham.

O Estado democrático constituiu com as nacionalizações um enorme património empresarial que, igualmente, tem vindo a ser dissipado com descarados prejuízos para o próprio estado e para o interesse público, mas com óbvios e enormes benefícios para gulosos interesses privados. A única coisa que parece importar nessas alienações é garantir bons lugares para as suas clientelas de luxo dos governantes e dos seus partidos. Atente-se no que aconteceu com a "privatização" da EDP, ou seja, com a sua entrega a outro estado, a China (curioso, aliás, o significado da palavra "privatização" para os nossos governantes).

Portugal recebeu verbas astronómicas da Europa para elevar a formação dos portugueses e criar bases sólidas para uma economia saudável e competitiva, mas a grande parte desses fundos desapareceu nas areias da corrupção e do eleitoralismo ou então nas contas offshore dos próprios dirigentes políticos.

Tínhamos uma frota pesqueira que não sendo moderna servia, ao menos, para satisfazer as necessidades do nosso mercado interno. E o que fizeram dela? Em vez de a modernizar e torná-la apta a concorrer com as da UE, ao menos na exploração das riquezas da nossa zona económica exclusiva, destruíram-na deliberadamente. Pagaram milhões de euros não para modernizar a nossa frota mas antes para abater os nossos barcos e assim facilitar a vida a outras frotas pesqueiras da União Europeia, impedindo as nossas empresas de competirem com elas. Resultado: Portugal compra, hoje, ao estrangeiro mais de metade do peixe que os portugueses consomem. E no futuro ainda vai se pior.

O mesmo se passou com a nossa agricultura. Enquanto outros países usavam os fundos comunitários para modernizarem as suas agriculturas e torná-las mais competitivas, nós usámos (e ainda usamos) os nossos para comprar fidelidades partidárias e pagar favores eleitorais. Foi chocante ver uma classe de parasitas citadinos, repentinamente, metamorfoseados em "agricultores do alcatrão", a circularem, pelo menos de início, em carros de luxo abastecidos com gasóleo agrícola e, sobretudo a locupletarem-se fraudulentamente com os subsídios que a Europa destinava aos verdadeiros agricultores.

Dirigentes partidários do chamado "arco da governação" enriqueceram criminosa e impunemente, à vista de toda a gente sem que nenhum dos dirigentes honestos os denunciasse ou, sequer, os criticasse. Alguns saíram do interior do país com uma mão à frente e outra atrás, mas, ao fim de alguns anos no exercício de funções públicas, tinham acumulado fortunas gigantescas que, aliás, exibiam de forma obscena. Alguns deles acumulando descaradamente as funções de deputados e de advogados, justamente para branquearem como honorários o dinheiro recebido pelas influências que traficavam nos corredores do parlamento.

As autoridades alemãs julgaram e condenaram em tribunal administradores de um consórcio empresarial por terem corrompido decisores portugueses para adquirirem submarinos daquele país, mas em Portugal, vários anos após essas condenações, ainda ninguém conseguiu descobrir quem é que recebeu os subornos.

Um dos partidos do arco da governação depositou numa conta bancária um milhão de euros em notas e em tranches de dez mil euros com nomes falsos, mas isso não teve importância nenhuma - nem judicial (o MP arquivou) nem política (não houve sequer uma investigação parlamentar).

Um ministro permitiu a instalação em Portugal de uma empresa estrangeira e quando saiu do governo foi, tranquilamente, presidir a essa mesma empresa como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Outro adjudicou milhares de milhões de euros em obras públicas a uma empresa privada e quando deixou o governo foi contratado como administrador dessa empresa durante alguns anos, provavelmente para receber as contrapartidas pelos lucros que, enquanto ministro, proporcionara à dita empresa. Descaradamente, ambos fizeram, enquanto ministros, as camas em que se deitariam como ex-ministros.

Um deputado ao Parlamento Europeu revela um dos segredos mais bem guardados por quantos por lá andaram - uma vergonhosa remuneração de 18 mil euros mensais para representar politicamente um povo que está na miséria e cujo salário mínimo é da ordem dos 500 euros mensais - e logo políticos (e jornalistas ao serviço destes) atacam o deputado como se o mal estivesse na denúncia e não na escandalosa remuneração. Todos em coro dizem cinicamente ao deputado para doar parte do dinheiro aos pobres como fizeram e fazem alguns esquerdistas de pacotilha para assim aliviarem as suas consciências pequeno-burguesas.

Esse deputado diz que o PE não é um verdadeiro parlamento pois os deputados não têm sequer, iniciativa legislativa e logo todos os fariseus da nossa vida pública, da extrema-esquerda à direita mais saloia, aparecem a insultar esse deputado e a garantir que o PE é a coisa mais importante da Europa. Pudera...! Quem recebe e silencia tão escandalosas remunerações só pode dizer, quando elas se tornam públicas, que elas são pagas pela entidade mais importante da Europa. E, sobretudo, que as inutilidades que lá andaram a fazer são as coisas mais importantes que há. E, pateticamente, chegam a inventar uma série de frivolidades (codecisão, relatórios de iniciativa, declarações escritas, etc.) para tentarem esconder a descarada subordinação do PE aos órgãos executivos da União e, sobretudo, o silêncio de muitos dos que foram eleitos para falar. Mas também para evidenciarem o que julgam ser a importância de quem lhes paga, ou melhor, para justificarem a "insignificância" das suas remunerações perante a grandiosidade daquilo que dizem fazer no PE. Não dizem uma palavra sobre a ausência de genuínos debates, pois cada deputado tem um minuto para as suas intervenções. Também não dizem uma palavra sobre a circunstância de o Parlamento Europeu (o centro da democracia na Europa) ser obrigado a deslocar-se todos os meses para reunir em outra cidade de outro país, gastando nesse capricho e em total desprezo pelos contribuintes mais de cem milhões de euros por ano.

Esse deputado, que está em exclusividade, faltou uma única vez (por compromissos que havia assumido há mais de um ano) e logo um jornalista faz disso notícia e, sem qualquer respeito pelo contraditório jornalístico, nem sequer ouviu o visado sobre as razões por que faltara. E quando uma semana mais tarde o ouviu já tinha arranjado mais um facto negativo para esbater os motivos da falta e para manter o estigma da condenação que sumariamente fizera. Mas, nem esse jornalista nem outros fizeram ou fazem qualquer notícia sobre as faltas que outros deputados portugueses dão no PE, nomeadamente, para exercerem lucrativas atividades privadas que, aliás, acumulam com a função de deputados. E nem sequer é notícia o triste espetáculo de um parlamento com 751 deputados estar frequentemente reunido em sessão plenária com cerca de 10 deputados. Repito: cerca de dez deputados.

E quando esse mesmo deputado denuncia o verdadeiro atentado ao estado de direito que consiste em um deputado poder exercer, ao mesmo tempo, a advocacia, logo alguns políticos e os jornalistas ao seu serviço acusam esse deputado de ter sido durante anos advogado e jornalista - como se uma atividade privada exercida numa empresa privada pudesse ser equiparada à função de titular do mais importante órgão de soberania da República. Para eles e para os seus serventuários na comunicação social não tem importância nenhuma que uma pessoa faça leis e depois aplique essas leis nos tribunais. Para eles não haverá sequer o perigo de o deputado estar a fazer leis não de acordo com o interesse do povo português ou, ao menos, dos eleitores que o elegeram, mas de acordo apenas com os interesses de clientes privados que lhes pagam chorudos honorários. Nem sequer lhes interessa que alguns deputados tenham enriquecido e justifiquem o seu imenso património com a atividade de advogado que exerceram em simultâneo com a função de deputado. Para esses fariseus e seus sicários o que é importante é tentar calar ou descredibilizar quem fala sobre essas promiscuidades.

Sim, nada disso é importante para essa gente. Para os políticos que nos têm (des)governado e para algumas das suas adjacências esquerdistas o que é importante é calar quem denuncia tudo isso. E como não conseguem esse intento, então, atacam e insultam com agressividade crescente, quer diretamente, quer através de homens de mão na comunicação social ou das tropas de choque em que se transformaram os papagaios pueris de algumas juventudes partidárias.

Só que, facilmente, se vê que a intensidade desses ataques é diretamente proporcional ao pânico que deles se apoderou por, finalmente, estar a construir-se em Portugal uma alternativa política consistente para resgatar a República do pântano em que eles próprios a lançaram. Isso mesmo: resgatar a República em democracia, ou seja, em liberdade, com justiça e com solidariedade e apenas com o voto de cidadãos livres.

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