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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A culpa é deste povo imbecilizado e macambúzio...

A culpa não é de Sócrates. É nossa
Helena Matos Email
22/11/2014, 17:385910.824 PARTILHAS
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Isto não tinha que ser assim. Não tínhamos de ver um antigo primeiro-ministro a ser levado dentro de um carro pela polícia. Não tínhamos de ver o circo montado novamente à porta do DCIAP.



CASO SÓCRATES
HELENA MATOS
JUSTIÇA
OPERAÇÃO MARQUÊS~



Isto não tinha que ser assim. Não tínhamos de ver um antigo primeiro-ministro a ser levado dentro de um carro pela polícia. Não tínhamos de ver o circo montado novamente à porta do DCIAP. Não tínhamos de assistir mais uma vez aos políticos a perderem a face perante a justiça. Mas os portugueses quiseram que fosse assim. E tanto quiseram que em 2009, indiferentes ao que já se sabia sobre a actuação de Sócrates no Freeport e muito particularmente nessa vergonha nacional que foi o processo de licenciamento e construção da central de tratamentos de lixos da Cova da Beira, 2 077 695 eleitores lhe deram o seu voto para que continuasse como primeiro-ministro. É certo que o PS perdeu então a maioria absoluta mas note-se que não se pode falar de desastre eleitoral: em 2005, ano da grande vitória de Sócrates, o PS tivera 2 588 312. Que Sócrates continuasse a obter mais de dois milhões de votos depois do que sucedera entre 2005 e 2009 diz muito sobre a nossa alienação de valores.

Aos olhos e ouvidos dos eleitores portugueses, tudo aquilo que em 2009 já se sabia sobre Sócrates – e era muito – a par do fascínio crescente e perigoso que este manifestava por um Estado agente de negócios não foi suficiente para que não lhe dessem maioritariamente o seu voto. Eram os tempos em que a líder da oposição era ridicularizada como “a velha” pela milícia dos assessores socráticos devidamente corroborados pelo riso escarninho dos humoristas de serviço a quem, vá lá saber-se porquê, Sócrates nunca inspirou muitas críticas. Eram os tempos em que criticar Sócrates valia telefonemas aos gritos para os autores desses textos (e sei do que falo por experiência própria) logo apelidados na mais bonançosa das versões como tremendistas, derrotistas e bota-abaixistas. Eram os tempos em que nada parecia possível ser feito em Portugal contra a vontade de Sócrates. Em que, por exemplo, nenhuma editora, que por essa época tudo ediatavam, quis publicar a investigação – e tratava-se de uma verdadeira investição e não de palpites – que um blogue, o Do Portugal Profundo, fizera sobre a licenciatura do então primeiro-ministro. E sobretudo eram os tempos em que se arreigou na sociedade portuguesa esse perverso princípio de que o direito penal substituira a moral.

Sentados em estúdios de televisão, rádio, nos jornais, blogues… todos os dias dirigentes socialistas e seus compagnons de route repetiam que tendo sido encerrados os processos e investigações só por má-fé se poderia questionar a licenciatura domingueira de Sócrates, a novela das suas duas fichas na Assembleia da República, os projectos para as casas da Covilhã, a nomeação para o Eurojust do procurador sobre o qual recaíra a suspeita de ter transmitido informações processuais a Fátima Felgueiras, o Freeport, a Cova da Beira…

Em Portugal passou então a vigorar o dogma de que não há diferença entre responsabilidade política e responsabilidade criminal. E exactamente os mesmos que tanto contribuíram para a impunidade de que gozou José Sócrates já começaram na velha técnica das cabalas: devia ser detido à noite? Porque não foi detido em casa? Que estranha coincidência, ser detido na véspera de António Costa ser reconhecido como secretário-geral do PS… Deixemo-nos de contorcionismos: não há dia ou hora adequados para prender um ex-primeiro ministro porque em todos os dias e a todas as horas a detenção de quem teve tais responsabilidades terá sempre consequências políticas. Por exemplo, o que vai António Costa, que entretanto divulgou uma primeira declaração equilibrada sobre este caso, fazer com o homem que escolheu para líder parlamentar, Ferro Rodrigues? Ferro Rodrigues continua sem perceber duas coisas essenciais: primeiro, um partido de bem não pode alimentar a nostalgia por um político com o perfil institucional de Sócrates, (sublinho que falo de pefil institucional e não de questões criminais). Segundo, Portugal é uma democracia onde não há partidos acima da lei e não um regime democrático tutelado pelo PS. Como em todos os processos que envolvem poder económico e político haverá quem aposte na confusão. Lembram-se do processo Casa Pia em que acabámos a não distinguir os pedófilos das vítimas, a justiça do abuso e a verdade da mentira? (Esperemos apenas que à actual PGR não esteja reservado o mesmo calvário que a Souto Moura).

Falam agora os políticos na possibilidade de uma república de juízes. Agora é tarde para o fazerem, “Inês é morta”. É de facto uma visão dantesca essa de uma república de juízes mas foram eles, os políticos, e neste caso particularmente os do PS, ao pôr de lado a moral e ao centrar tudo no avanço da justiça, ou mais precisamente na sua capacidade de fazer arquivar os processos, quem sentou um dos seus, Sócrates, no banco traseiro daquele carro utilitário que o levou do aeroporto até ao DCIAP. E foram os portugueses, enquanto eleitores, sancionando o comportamento de Sócrates, dando-lhe a vitória em 2009, quem depositou Portugal na mão das polícias e dos juízes.

Na vida nunca se volta atrás e na política muito menos. Por isso aqui estamos no beco a que nos conduzimos: se Sócrates provar a sua inocência ficamos a com a justiça descredibilizada. Se Sócrates for culpado estamos perante um problema político. Mas deste dilema os únicos culpados somos nós. E não Sócrates.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

UM POLÍTICO DUVIDOSO

Um político "duvidoso", "sempre borderline", "sanguíneo, autoritário e de estilo cintilante à la Sarkosy". É assim que o jornal francês "Libération" descreve José Sócrates, num artigo, publicado esta quinta-feira, sobre a detenção do ex-primeiro ministro português.

O caso Sócrates, diz o jornal, "corresponde a um novo degrau de imoralidade na vida pública". No artigo, assinado pelo correspondente do "Libération" em Madrid, descreve-se as suspeitas que levaram à acusação do ex-governante por fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capital. Explica-se como "o modo de vida em Paris chamou a atenção da brigada financeira portuguesa", como o seu motorista "fazia regulares viagens Lisboa-Paris para lhe entregar grandes quantidades de dinheiro em cash" e como o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva serviu de pivô num esquema de transferencias financeiras. O "apartamento no valor de 2,8 milhões de euros, a frequência de restaurantes de luxo e as escutas telefónicas fizeram o resto".

E o resto é muito. Desde logo, o escândalo desmontou a imagem do "antigo líder socialista que, em maio de 2011 se demitiu, enquanto o seu país estava à beira da falência". Sócrates queimou o seu "retrato político bem merecido, de um cidadão honesto que serviu o seu país o melhor possível" e que "no final do seu primeiro mandato obteve resultados visíveis na mudança de uma administração pública anquilosada". Passou a ser "o líder duvidoso, esse produto mediático ou o politico Armani (citando o 'Público', que sublinhava o seu lado esquerda-caviar) envolvido em vários escândalos dos quais conseguiu, de cada vez, escapar às garras da justiça".

O texto do "Libération" termina com uma análise de Fernando Rosas, apresentado como historiador. "Desde o princípio, ele foi esse jovem lobo, oportunista, sem ideologia, obcecado por escalar todos os degraus até ao poder supremo, sempre borderline". Apresentado como "antigo militante do partido de direita, o PSD, passou para os socialistas em 1981" e acrescenta-se à biografia de Sócrates ter sido "admirador de Tony Blair" mas que "sempre conheceu um percurso pouco claro". "Há mesmo fortes hipóteses do seu diploma de engenheiro civil, obtido em 1980, ser falso", conclui o artigo.



terça-feira, 25 de novembro de 2014

SOCRATISMO...

É talvez altura de nos curarmos de vez do socratismo. Durante muitos anos muita gente não quis ver, não quis ouvir, não quis ler, recusou tomar conhecimento. Sócrates estava acima disso. Sócrates não tolerava dúvidas. Mas é altura de aceitar a realidade.

CASO JOSÉ SÓCRATES
OPERAÇÃO MARQUÊS

Uma parte do país – e um contingente notável de comentadores – parecem continuar em estado de negação. Durante anos não quiseram ver, não quiseram ouvir, não quiseram admitir que havia no comportamento de José Sócrates ministro e de José Sócrates primeiro-ministro demasiados “casos”. Em vez disso só viram cabalas, só falaram em perseguições, só trataram eles mesmo de ostracizar ou mesmo perseguir os que se obstinavam em querer respostas, os que insistiam em não ignorar o óbvio, isto é, que Sócrates não tinha forma de justificar os gastos associados ao seu estilo de vida.

Agora, que finalmente a Justiça se moveu, eles continuam firmes na sua devoção – e nas suas cadeiras nos estúdios de televisão. Não lhes interessa conhecer o que se vai sabendo sobre os esquemas que Sócrates utilizaria para fazer circular o dinheiro, apenas lhes interessa que parte do que foi divulgado pelos jornais devia estar em segredo de Justiça. Antes, anos a fio, quando não havia segredo de justiça para invocar, desvalorizaram sempre todas as investigações jornalísticas que tinham por centro José Sócrates.

Isto é doentio e revela até que ponto o país ainda não se libertou da carapaça que caiu sobre ele nos anos em que o ex-primeiro-ministro punha e dispunha. Nessa altura também muitos, quase todos, se recusavam a ver, ouvir ou ler, até a tomar conhecimento. Não me esqueço, não me posso esquecer que quando o Público, de que eu era director, revelou pela primeira vez a história da licenciatura, seguiu-se uma semana de pesado silêncio que só foi quebrada quando o Expresso, então dirigido por Henrique Monteiro, resistiu às pressões do próprio Sócrates e repegou na história e denunciou as pressões. Não me esqueço que tivemos uma Entidade Reguladora da Comunicação Social que fez um inquérito e concluiu que o silêncio de toda a comunicação num caso de evidente interesse público não resultara de qualquer pressão – a mesma ERC que depois condenaria a TVI por estar a investigar o caso Freeport. Como não me esqueço de como uma comissão parlamentar chegou mais tarde à mesma conclusão, tal como não me esqueço de como vi gestores de grandes empresas deporem com medo do que diziam.

Muitos dos que agora rasgam as vestes porque o antigo primeiro-ministro foi detido no aeroporto foram os mesmos que nunca quiseram admitir que havia um problema com Sócrates, com os seus casos, com o seu comportamento, com o seu autoritarismo. E também com o seu estilo de vida.

Há momentos que chegam a ser patéticos. Como é possível, por exemplo, que um homem supostamente inteligente, como Pinto Monteiro, queira que nós acreditemos que foi convidado por José Sócrates para um almoço, de um dia para o outro, numa altura em que o cerco se apertava, e que, naquele que terá sido o seu primeiro almoço a sós, só falaram de livros e viagens, como se fossem dois velhos amigos? Como é possível que continue a defender a decisão absurda sobre a destruição das escutas? Ou a achar que nada mais podia ter sido feito na investigação do caso Freeport?

Mas há também um lado doentio e provinciano na forma como se tem comentado este caso. Uma das raras pessoas que detectou essa anormalidade foi Nuno Garoupa, professor catedrático de Direito nos Estados Unidos e que, por ter respirado ares mais arejados, não teve dúvidas, notando que “nós é que vivemos num mundo mediático”, não é a Justiça que cria o circo, como se repetiu ad nauseam nas televisões. Mais: “A opinião pública pode e deve fazer um julgamento político, independentemente do julgamento legal e judicial. A política e a justiça não são a mesma coisa.” Ou seja, deixem-se da hipocrisia do “inocente até prova em contrário”, pois isso é verdade nos tribunais mas não é verdade quando temos de julgar politicamente alguém como José Sócrates. O julgamento político, como ele sublinha, não está sujeito aos mesmos critérios do julgamento penal.

A clareza do debate político exige pois que saibamos fazer distinções. A distinção que António Costa fez logo na madrugada de sábado, quando disse que “os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a acção política do PS”, é justa e mantém toda a sua pertinência. Se o PS tem conseguido manter a frieza – quase todo o PS, pois são raras e muito pontuais as excepções –, é importante para esse mesmo PS ir mais longe. E tocar um ponto nevrálgico: aquilo que nós, cá fora, sabíamos sobre as excentricidades e as práticas de José Sócrates dão-nos apenas uma pequena amostra do que se sabia em muitos círculos do PS. Sabia, mas não se comentava, mal se sussurrava.

Vou mais longe: nos partidos estas coisas são conhecidas. Pelo menos no PSD e no CDS, para além do PS. Ninguém ficou surpreendido quando a Justiça caiu sobre Duarte Lima – todos os seus companheiros de bancada conheciam as suas excentricidades. Pior: muitos ainda hoje comentam como a Justiça ainda não apanhou alguns antigos secretários-gerais, aqueles que tratavam das contas e apareceram ricos de um dia para o outro. Pior ainda: nos bastidores dos partidos as histórias de autarcas, em particular de alguns dinossauros, são infindáveis. E há longínquas férias na neve de dirigentes partidários que incomodam os seus correligionários sem que nada aconteça para além de um comentário fugaz.

Vamos ser claros, deixando a hipocrisia do respeitinho de lado. A dúvida que havia sobre José Sócrates era sobre se seria algum dia apanhado. A percepção que corroía a confiança nas instituições não era sobre se os seus direitos humanos poderiam vir a ser negados (a sugestiva preocupação de Alberto João Jardim), mas sim sobre se algum dia um aparelho judicial que, anos a fio, pareceu amestrado seria capaz de apanhar alguns dos fios das muitas meadas tecidas pelo antigo primeiro-ministro.

Escrevi-o muitas vezes e vou repeti-lo: José Sócrates foi a pior coisa que aconteceu na democracia portuguesa nos últimos 40 anos, e não o digo por causa da bancarrota. Digo-o por causa da forma como exerceu o poder, esperando fazê-lo de forma absoluta, sem contestação, sem obstáculos, sem críticos. Não os tolerava no PS, no Governo, nos jornais, nos bancos, nas grandes empresas do regime.

Não sou a primeira pessoa a descrever assim José Sócrates. Nem essa descrição é recente. Recordo apenas um texto de António Barreto, de Janeiro de 2008 (há quase sete anos, bem antes da bancarrota), onde se escrevia que “o primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra a autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas”. Lembram-se? Eu não o esqueci.

O que distingue o socratismo não é uma visão da forma de ser socialista, é uma visão schmittiana de exercício do poder. Compreendo que o seu estilo de líder forte possa ter fascinado quem cavalgou a onda, mas é bom que hoje olhem para o elixir que provaram e que os inebriou, e percebam que era um veneno. Ou seja: acordem para a realidade. Depois do que se passou nos últimos dias, do que já sabemos sobre os contornos do processo e das acusações, do que imaginamos mas ainda não sabemos, a pergunta que muitos têm de intimamente fazer é “como foi possível?”, “como é que acreditei?”. Porque se não forem por esse caminho o seu único refúgio acabará por ser uma qualquer teoria da conspiração como a imaginada pelo insubstituível MRPP.

Ao contrário do que se repetiu à exaustão, o carácter não é um detalhe em política. E se ninguém deve apagar rostos em fotografias, à la Stalin, também é preciso de olhar de frente para o que, no passado, recomenda que se exorcizem fantasmas, demónios, maus hábitos e práticas não recomendáveis.

AUTOR: JOSÉ MANUEL FERNANDES

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

RESGATAR PORTUGAL

O grande mal dos nossos políticos tradicionais é que, em regra, usam essa atividade em benefício pessoal. A maioria deles serve-se dela e dos recursos que o país põe ao seu dispor, não para a realização de fins coletivos mas em benefício próprio, da família e das suas clientelas partidárias. Servem-se do país e não servem o país. Para isso criaram uma insuportável promiscuidade entre a política e os negócios privados. As pessoas mais sérias e mais honestas da sociedade portuguesa fugiram da política ou nem sequer se aproximam dela. Esta transformou-se numa reserva quase exclusiva dessa nomenclatura de medíocres e de oportunistas que está a destruir Portugal, a empobrecer o país e os portugueses (enquanto eles se governam e enriquecem) e a obrigar os nossos jovens a procurar no estrangeiro aquilo que a sua pátria lhes devia proporcionar. Essa nomenclatura está, enfim, a destruir o nosso futuro coletivo.

Uma das consequências mais nefastas dessa cultura oportunista e predatória foi a castração moral de um sector da juventude portuguesa, precisamente aquele que desde praticamente a adolescência é amestrado nas organizações juvenis partidárias para reproduzir os estereótipos e os clichés político-culturais que fizeram os seus mestres enriquecerem na política. É deprimente ver jovens, que deveriam estar motivados pela grandeza de ideais altruístas ou mobilizados pela generosidade de causas coletivas, a apunhalarem-se entre si nas juventudes partidárias, a traficarem interesses mesquinhos, a propalarem obscenas mentiras só porque as julgam úteis aos seus desígnios egotistas, a fazerem, em corruptela, aquilo que observam nos seus mentores decadentes. E, sobretudo, é degradante vê-los a papaguear, num mimetismo patético, os discursos de mentira e de cinismo dos seus mestres políticos. Estes jovens já estão velhos ou então envelhecem sem nunca chegarem a ser adultos. As juventudes partidárias transformaram-se, sobretudo nos chamados partidos da governação, em escolas de vícios onde se aprende tudo o que tem conduzido à degenerescência moral da política portuguesa e à degradação ética das instituições republicanas.

Uma das maiores referências da social-democracia europeia, Willy Brandt, disse uma vez que para se ser um bom social-democrata aos 40 anos de idade tinha de ser um bom esquerdista aos 20 anos. Só que estes nossos jovens já são ótimos sociais-democratas aos 20 anos (e alguns até já começam a sê-lo logo aos 14 e 15 anos) de idade. E, quando atingirem os 40 anos serão, então, aquilo que verdadeiramente ambiciona(ra)m, aquilo que efetivamente procura(ra)m com as suas vidas políticas: velhos decadentes, mas administradores de um qualquer BPN, consultores de um qualquer BES ou administradores de empresas que favoreceram nos cargos públicos a que se foram alcandorando ao longos dos seus percursos de carreirismo político. Isso se, entretanto, não estiverem a contas com a justiça ou, mesmo, não tiverem sido presos.

Nessa altura, todos eles terão, pelo menos, duas características em comum nos respetivos trajetos políticos: a de nunca terem trabalhado ou realizado nada de útil à sociedade e uma experiência enorme no tráfico de favores ou de interesses em benefício próprio. Na verdade, a maioria deles começa, ainda estudantes, por ser assessores deste ou daquele dirigente político e por aí se mantêm até, inopinadamente, integrar uma lista de candidatos e aparecer no parlamento (português ou europeu), como prémio não dos seus méritos mas do seu servilismo acéfalo. Muitas vezes eles prestam aos dirigentes dos seus partidos o mesmo tipo de serviço que algumas claques de futebol prestam aos dirigentes de certos clubes: tropa de choque para programas políticos contra adversários ou contra quem ouse combater ou denunciar o pântano em que alegremente chapinham. Se os seus mentores transformaram o país num local indecente e irrespirável e eles garantem que isso continuará no futuro. Vejamos apenas alguns exemplos que nunca é demais recordar.

Portugal tem sido governado nos últimos 30 a 35 anos, sucessiva e alternadamente, pelo PS e pelo PSD que conduziram o país à situação de pedinte em que se encontra. O CDS, de vez quando, dá uma ajuda, atirando-se, também, ao pote com um frenesim redobrado. Praticamente todas as semanas o país pede dinheiro emprestado - a maior parte das vezes não para fazer face às despesas com a realização das suas finalidades; não já, sequer, para amortizar a sua imensa dívida, mas apenas para pagar os juros dessa dívida. O eufemismo a que se recorre para divulgar e para noticiar essa necessidade é o de que "Portugal coloca dívida no mercado". As nossas elites políticas não souberam, ao longo das últimas décadas, senão gastar recursos públicos porque é assim - empobrecendo o estado e os portugueses - que se enriquecem a si próprias ou que beneficiam economicamente as suas gigantescas clientelas.

O regime democrático instaurado com o 25 de Abril herdou da ditadura um estado com um enorme património imobiliário (além das tais centenas de toneladas de ouro) que tem sido criminosamente malbaratado, obviamente, sempre com chorudas comissões, luvas ou subornos para quem, em nome do estado, tem outorgado os atos jurídicos que concretizam essa delapidação. A sensação de impunidade é tão grande que alguns edifícios públicos são vendidos e revendidos no mesmo dia - com pornográficos lucros para os intermediários privados. Nenhuma obra pública é paga, a final, pelo preço por que foi adjudicada. O preço pago é sempre duas, três, cinco, dez vezes superior ao valor da adjudicação, porque é aí - nesse roubo ao estado e ao povo português - que todos esses bufarinheiros ganham.

O Estado democrático constituiu com as nacionalizações um enorme património empresarial que, igualmente, tem vindo a ser dissipado com descarados prejuízos para o próprio estado e para o interesse público, mas com óbvios e enormes benefícios para gulosos interesses privados. A única coisa que parece importar nessas alienações é garantir bons lugares para as suas clientelas de luxo dos governantes e dos seus partidos. Atente-se no que aconteceu com a "privatização" da EDP, ou seja, com a sua entrega a outro estado, a China (curioso, aliás, o significado da palavra "privatização" para os nossos governantes).

Portugal recebeu verbas astronómicas da Europa para elevar a formação dos portugueses e criar bases sólidas para uma economia saudável e competitiva, mas a grande parte desses fundos desapareceu nas areias da corrupção e do eleitoralismo ou então nas contas offshore dos próprios dirigentes políticos.

Tínhamos uma frota pesqueira que não sendo moderna servia, ao menos, para satisfazer as necessidades do nosso mercado interno. E o que fizeram dela? Em vez de a modernizar e torná-la apta a concorrer com as da UE, ao menos na exploração das riquezas da nossa zona económica exclusiva, destruíram-na deliberadamente. Pagaram milhões de euros não para modernizar a nossa frota mas antes para abater os nossos barcos e assim facilitar a vida a outras frotas pesqueiras da União Europeia, impedindo as nossas empresas de competirem com elas. Resultado: Portugal compra, hoje, ao estrangeiro mais de metade do peixe que os portugueses consomem. E no futuro ainda vai se pior.

O mesmo se passou com a nossa agricultura. Enquanto outros países usavam os fundos comunitários para modernizarem as suas agriculturas e torná-las mais competitivas, nós usámos (e ainda usamos) os nossos para comprar fidelidades partidárias e pagar favores eleitorais. Foi chocante ver uma classe de parasitas citadinos, repentinamente, metamorfoseados em "agricultores do alcatrão", a circularem, pelo menos de início, em carros de luxo abastecidos com gasóleo agrícola e, sobretudo a locupletarem-se fraudulentamente com os subsídios que a Europa destinava aos verdadeiros agricultores.

Dirigentes partidários do chamado "arco da governação" enriqueceram criminosa e impunemente, à vista de toda a gente sem que nenhum dos dirigentes honestos os denunciasse ou, sequer, os criticasse. Alguns saíram do interior do país com uma mão à frente e outra atrás, mas, ao fim de alguns anos no exercício de funções públicas, tinham acumulado fortunas gigantescas que, aliás, exibiam de forma obscena. Alguns deles acumulando descaradamente as funções de deputados e de advogados, justamente para branquearem como honorários o dinheiro recebido pelas influências que traficavam nos corredores do parlamento.

As autoridades alemãs julgaram e condenaram em tribunal administradores de um consórcio empresarial por terem corrompido decisores portugueses para adquirirem submarinos daquele país, mas em Portugal, vários anos após essas condenações, ainda ninguém conseguiu descobrir quem é que recebeu os subornos.

Um dos partidos do arco da governação depositou numa conta bancária um milhão de euros em notas e em tranches de dez mil euros com nomes falsos, mas isso não teve importância nenhuma - nem judicial (o MP arquivou) nem política (não houve sequer uma investigação parlamentar).

Um ministro permitiu a instalação em Portugal de uma empresa estrangeira e quando saiu do governo foi, tranquilamente, presidir a essa mesma empresa como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Outro adjudicou milhares de milhões de euros em obras públicas a uma empresa privada e quando deixou o governo foi contratado como administrador dessa empresa durante alguns anos, provavelmente para receber as contrapartidas pelos lucros que, enquanto ministro, proporcionara à dita empresa. Descaradamente, ambos fizeram, enquanto ministros, as camas em que se deitariam como ex-ministros.

Um deputado ao Parlamento Europeu revela um dos segredos mais bem guardados por quantos por lá andaram - uma vergonhosa remuneração de 18 mil euros mensais para representar politicamente um povo que está na miséria e cujo salário mínimo é da ordem dos 500 euros mensais - e logo políticos (e jornalistas ao serviço destes) atacam o deputado como se o mal estivesse na denúncia e não na escandalosa remuneração. Todos em coro dizem cinicamente ao deputado para doar parte do dinheiro aos pobres como fizeram e fazem alguns esquerdistas de pacotilha para assim aliviarem as suas consciências pequeno-burguesas.

Esse deputado diz que o PE não é um verdadeiro parlamento pois os deputados não têm sequer, iniciativa legislativa e logo todos os fariseus da nossa vida pública, da extrema-esquerda à direita mais saloia, aparecem a insultar esse deputado e a garantir que o PE é a coisa mais importante da Europa. Pudera...! Quem recebe e silencia tão escandalosas remunerações só pode dizer, quando elas se tornam públicas, que elas são pagas pela entidade mais importante da Europa. E, sobretudo, que as inutilidades que lá andaram a fazer são as coisas mais importantes que há. E, pateticamente, chegam a inventar uma série de frivolidades (codecisão, relatórios de iniciativa, declarações escritas, etc.) para tentarem esconder a descarada subordinação do PE aos órgãos executivos da União e, sobretudo, o silêncio de muitos dos que foram eleitos para falar. Mas também para evidenciarem o que julgam ser a importância de quem lhes paga, ou melhor, para justificarem a "insignificância" das suas remunerações perante a grandiosidade daquilo que dizem fazer no PE. Não dizem uma palavra sobre a ausência de genuínos debates, pois cada deputado tem um minuto para as suas intervenções. Também não dizem uma palavra sobre a circunstância de o Parlamento Europeu (o centro da democracia na Europa) ser obrigado a deslocar-se todos os meses para reunir em outra cidade de outro país, gastando nesse capricho e em total desprezo pelos contribuintes mais de cem milhões de euros por ano.

Esse deputado, que está em exclusividade, faltou uma única vez (por compromissos que havia assumido há mais de um ano) e logo um jornalista faz disso notícia e, sem qualquer respeito pelo contraditório jornalístico, nem sequer ouviu o visado sobre as razões por que faltara. E quando uma semana mais tarde o ouviu já tinha arranjado mais um facto negativo para esbater os motivos da falta e para manter o estigma da condenação que sumariamente fizera. Mas, nem esse jornalista nem outros fizeram ou fazem qualquer notícia sobre as faltas que outros deputados portugueses dão no PE, nomeadamente, para exercerem lucrativas atividades privadas que, aliás, acumulam com a função de deputados. E nem sequer é notícia o triste espetáculo de um parlamento com 751 deputados estar frequentemente reunido em sessão plenária com cerca de 10 deputados. Repito: cerca de dez deputados.

E quando esse mesmo deputado denuncia o verdadeiro atentado ao estado de direito que consiste em um deputado poder exercer, ao mesmo tempo, a advocacia, logo alguns políticos e os jornalistas ao seu serviço acusam esse deputado de ter sido durante anos advogado e jornalista - como se uma atividade privada exercida numa empresa privada pudesse ser equiparada à função de titular do mais importante órgão de soberania da República. Para eles e para os seus serventuários na comunicação social não tem importância nenhuma que uma pessoa faça leis e depois aplique essas leis nos tribunais. Para eles não haverá sequer o perigo de o deputado estar a fazer leis não de acordo com o interesse do povo português ou, ao menos, dos eleitores que o elegeram, mas de acordo apenas com os interesses de clientes privados que lhes pagam chorudos honorários. Nem sequer lhes interessa que alguns deputados tenham enriquecido e justifiquem o seu imenso património com a atividade de advogado que exerceram em simultâneo com a função de deputado. Para esses fariseus e seus sicários o que é importante é tentar calar ou descredibilizar quem fala sobre essas promiscuidades.

Sim, nada disso é importante para essa gente. Para os políticos que nos têm (des)governado e para algumas das suas adjacências esquerdistas o que é importante é calar quem denuncia tudo isso. E como não conseguem esse intento, então, atacam e insultam com agressividade crescente, quer diretamente, quer através de homens de mão na comunicação social ou das tropas de choque em que se transformaram os papagaios pueris de algumas juventudes partidárias.

Só que, facilmente, se vê que a intensidade desses ataques é diretamente proporcional ao pânico que deles se apoderou por, finalmente, estar a construir-se em Portugal uma alternativa política consistente para resgatar a República do pântano em que eles próprios a lançaram. Isso mesmo: resgatar a República em democracia, ou seja, em liberdade, com justiça e com solidariedade e apenas com o voto de cidadãos livres.

SUBVENÇÃO VITALÍCIA

De manhã nunca havia nada que fazer - nem de resto à tarde ou à noite. Os senhores deputados estavam nas comissões, onde também não se discutia ou decidia coisa nenhuma. Mas normalmente o dia começava com o almoço, num restaurante qualquer, de preferência perto, porque nessa altura os da Assembleia da República (um para gente pobre, outro para gente rica) eram os dois tão maus, que só a esquerda e os pais de família os suportavam.

Quando se voltava, era costume, para quem sabia ler, passar por um quiosque ao lado da porta do chamado hemiciclo e comprar um grosso molho de jornais para passar o tempo. Lá dentro, havia sempre um fila de advogados nervosos que queriam assinar depressa o “livro de presenças”, que garantia à Pátria a sua assiduidade, para depois de escapulirem para o seu autêntico trabalho.

Durante a sessão falavam algumas criaturas, por ordem da direcção do grupo parlamentar. Ninguém percebia do que se tratava, porque ninguém estava informado nem da política do partido, nem dos propósitos dos notáveis que nos pastoreavam. As tropas, quando acabavam os jornais, iam passear para o corredor ou visitar amigos das bancadas da oposição, o que envolvia invariavelmente grandes festejos. Entretanto, chegavam as cinco horas e no nosso lugar já se tinham acumulado alguns papéis sem justificação do seu fim ou indicação da sua origem. Um funcionário do partido vinha dizer aos representantes do povo como deviam votar ou não votar. A páginas tantas, veio mesmo um com um novo processo. Trazia uns papelinhos de cor que agrafava aos documentos que deviam fazer a felicidade da Pátria: encarnado significava não, verde sim e amarelo esperar. Assim se poupavam explicações ao rebanho.

Na secretaria, os senhores deputados cumpriam zelosamente as formalidade de um funcionário público, que no fundo eram. Só na justificação das faltas se lhes reconhecia um privilégio: podiam indicar sem pormenores que a sua ausência, longa que fosse, se devia a “trabalho político”. Muitos defensores da Pátria usavam alegremente esta desculpa. Excepto às sextas-feiras (ou às quintas, não me lembro bem), quando se despachava a votação da semana a toque de caixa, para libertar os deputados da província que suspiravam de amor pela sua família. Um esforço destes, devemos reconhecer, merece a gratidão do país. Admito que não aguentei aquele deprimente sítio, mais de três meses. Mas quem ficou merece com certeza uma enorme medalha e uma subvenção vitalícia.


Autor: Vasco Pulido Valente